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Opinião de José M. Palma-Oliveira, Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa

A ciência comportamental é necessária para tornar as campanhas mais eficientes e os projetos da Cascais Ambiente já constituem passos consistentes na boa direção.
Separar ou não separar: eis a questão

De há uns anos a esta parte, um anúncio da Ponto Verde colocava um chimpanzé a separar o lixo urbano. A conclusão, assinalada com grande fanfarra, era simples: como é que um animal poderia fazer algo que os humanos dificilmente conseguem.

A ingenuidade do anúncio é claramente proporcional à incompreensão do comportamento humano e das suas condicionantes. Um comportamento pode ser aparentemente igual mas determinado por múltiplos fatores e a sua modificação condicionada por uma miríade de barreiras individuais e ambientais.

Um dos problemas fundamentais na estratégia de promoção de comportamentos ambientalmente mais sustentáveis é o facto de grande parte dos programas se basearem, explícita ou implicitamente, na crença de que, dando conhecimento e informação os indivíduos, mais cedo ou mais tarde, adotarão o comportamento pretendido. Infelizmente o comportamento tem a ver com contextos específicos, com atitudes e hábitos, com incentivos diferentes, que não resistem a soluções simplistas.

Desculpem a má noticia, mas está provado que utilizar este tipo de estratégia, baseada em apelos de valor com intuito de mudar comportamentos só poderá levar a resultados medíocres. Basta lembrar que separar o lixo pode ser diretamente percebido com um problema ambiental ou pode reportar a uma ligação ao político de que não se gosta; basta sublinhar que existem casas com espaço e apartamentos sem espaço com rotinas muito diferenciadas; basta referir que resíduos biológicos podem parecer nojentos.

Ao contrário do que gostaríamos, “o mesmo” nunca é igual e uma resposta integrada baseada na ciência é fundamental para o sucesso de uma campanha. Difícil será condensar aqui os aspetos relevantes para uma intervenção eficaz.

Apenas alguns exemplos de fatores a ter em conta:

1. Todos nós seguimos normas que são essenciais na definição da nossa vida social. No entanto existem dois tipos de normas, a saber, as descritivas (i.e., que nos informam sobre o comportamento mais adaptado em cada situação, i.e., o que achamos que “todos fazem”), e as injuntivas (i.e., aquilo que deve ser feito, ou dito de outra forma, as regras morais aprovadas pela cultura). Em termos psicológicos são muito diferentes, as descritivas levam a decisões simples e heurísticas, do tipo fazer o que os outros fazem, enquanto as injuntivas implicam uma avaliação mais profunda sobre o que devo fazer (avaliar a moralidade do comportamento).

Ao sublinhar, ao mesmo tempo, a norma descritiva (poucos reciclam bem) e a injuntiva (todos devemos reciclar) grande parte dos programas acentua a discrepância entre o que se faz e que se deve fazer. Como o processo de influência descritiva é menos exigente psicologicamente e mais automático estamos a contrariar aquilo que pretendemos alcançar. O sublinhar da norma descritiva vai levar a que o indivíduo não recicle, porque é o processo mais simples do ponto de vista de decisão.

Como é bom de ver, esta contradição entre influências normativas é muito negativa, reforça o “mau” comportamento, e reforça outro processo psicológico que remete para a contradição entre a racionalidade individual e colectiva. Esta contradição conduz àquilo que parece mais simples e racional, do ponto de vista individual (não separar), que seja sobreposto ao que é mais racional do ponto de vista colectivo (separar).

2. O envolvimento dos grupos, dos líderes dos bairros, a criação de normas descritivas positivas (“aqui separamos”) em vez de “as pessoas não separam”, a construção de identidades locais onde os comportamentos sustentáveis sejam componentes claros das mesmas, etc. são aspetos fundamentais de uma intervenção bem sucedida.

3. Separar os resíduos biodegradáveis, por exemplo, vai contra hábitos e não é simples. Campanhas que tornam tudo fácil são rapidamente rechaçadas. Porque existem barreiras ambientais, contextuais e familiares à separação, a saber: como se processa o armazenamento em casa, o nojo percebido dos biorresíduos, exigências acrescidas de higiene, as rotinas e a sua mudança, a (des)confiança no sistema, etc. Uma campanha deve claramente responder a essas barreiras e deverá identificá-las porque não têm a mesma importância em todos os contextos.

Em suma a maior barreira é, claramente, a ingenuidade de pensar que os valores abstratos têm ressonância em todos. A aplicação da ciência comportamental é necessária para tornar as campanhas mais eficientes e os projetos da Cascais Ambiente já constituem passos consistentes na boa direção.