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Opinião de Andreia Barbosa, autora do livro O Lixo em Portugal

(...), temos de ter, em casa, os cidadãos a separar. Para tal, é essencial prestar-lhes um bom serviço de gestão de resíduos e, em retorno, exigir cumprimento.
O fabuloso destino dos biorresíduos

Entrámos em 2024, ano do arranque da recolha seletiva obrigatória de biorresíduos. Enquanto país, estamos atrasados, e nem sabemos quanto, porque não há informação disponível sobre o que os municípios já estão a fazer ou sobre quando e como planeiam fazer. É pena: os resíduos orgânicos são uma alavanca formidável para lidar não só com o problema do lixo (que andamos desvairados a queimar e a meter em aterros) mas também com os problemas dos solos empobrecidos, da disponibilidade de água para a agricultura, do armazenamento de carbono, da gestão e dinamização de territórios rurais.

O lugar dos biorresíduos no ciclo orgânico
Numa paisagem natural, o retorno de matéria orgânica ao solo é intrínseco. Em agricultura, os produtos são colhidos e levados para outro lado; a matéria orgânica e nutrientes que os constituem deixam de estar disponíveis para o solo.
Desde sempre se adicionou estrume aos campos para fazer essa reposição. Hoje, os fertilizantes inorgânicos cumprem essa função, mas ao preço de graves impactos nos ecossistemas, relacionados tanto com a fase de extração e produção, como com a contaminação das águas e do ar decorrentes do seu uso. Além disso, os solos pobres em matéria orgânica, como são os portugueses, têm fraca capacidade de retenção da água. Precisamos de mais razões para fechar o ciclo orgânico?

Complementaridade de estratégias para captar e valorizar biorresíduos
Os biorresíduos, húmidos e pesados, não viajam bem, pelo que (tal como a Estratégia para os Biorresíduos prevê) é expectável que o tratamento seja feito de forma descentralizada, em unidades de digestão e compostagem de pequena ou média dimensão.
A Áustria, que leva décadas de recolha seletiva de biorresíduos urbanos, desenvolveu um modelo digno de análise. Fora das grandes cidades (servidas por centros de compostagem industriais), vigora o modelo do tratamento em pequena escala, gerido por agricultores e em sinergia com a própria produção agrícola. Compostar na quinta faz sentido, porque os resíduos da própria exploração podem ser incorporados no processo, para benefício deste, e porque o composto resultante tem aplicação direta in situ; além disso, a prestação destes serviços aos municípios constitui uma fonte de receitas adicional para os agricultores. Na mesma lógica, faz sentido promover a compostagem comunitária nas cidades – evitando o transporte dos resíduos e aliviando a pressão sobre os sistemas de tratamento industrial.

Prestar um bom serviço, incentivar e fiscalizar – sem complacência
A par de estratégias diferenciadas em função das características dos territórios, temos de ter, em casa, os cidadãos a separar. Para tal, é essencial prestar-lhes um bom serviço de gestão de resíduos e, em retorno, exigir cumprimento.
Em zonas de alta densidade populacional, tem de haver recolha porta a porta de orgânicos, e tem de haver uma rede compacta de compostores comunitários. Se queremos realmente resultados, damos boas condições para a adesão, taxamos adequadamente o uso do serviço (numa lógica pay as you throw, em que quanto menos se separa mais se paga) e fazemos questão de monitorizar comportamentos. Deve haver uma fiscalização pedagógica – que pode até ser feita pelos cantoneiros, promovendo uma qualificação adicional desta função –, que ensine, mas também que exija resultados.

Temos aterros cheios de orgânicos a emitir metano, quando podíamos ter solos mais ricos a armazenar carbono. Vamos a isso!