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Opinião de João Joanaz de Melo, prof. no CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research, FCT - UNL

A pandemia veio demonstrar que podemos ter um estilo de vida mais local e frugal do que estávamos habituados, e que isso tem como consequência imediata menos poluição, ar mais puro, menor consumo de recursos
Com o desrespeito reinante para com a Natureza, é provável que venha a haver mais pandemias desastrosas, se não cortarmos urgentemente com estas práticas destrutivas a nível mundial
O que podemos aprender com esta pandemia?

Já aprendemos muito e temos de aprender muito mais:

1. A causa da pandemia, como das alterações climáticas, é o nosso mau trato da Natureza. Estamos preocupados com a Covid-19 porque mata muitas pessoas. É essencial lembrar que esta pandemia, como epidemias anteriores, tem como causa directa a destruição e a intrusão humana em ecossistemas sensíveis, em particular os mercados de animais selvagens vivos; como as alterações climáticas têm como principal causa a queima de combustíveis fósseis. Temos de perceber estas relações, e atribuir urgência e prioridade à intervenção ambiental. A Natureza é generosa, mas não é simpática perante os nossos desacatos.

2. Aprendemos a viver com menos, e não podemos esquecer-nos disso. A causa última da poluição e da degradação ambiental é o nosso estilo de vida. A culpa não é "dos outros" (sejam eles as empresas, o primeiro-ministro, os autarcas, os políticos em geral, ou os nossos vizinhos do lado). É o nosso estilo de vida — onde vivemos, o que comemos, como nos transportamos ou divertimos — que motiva o funcionamento das fábricas, os usos do solo, a extracção de água e de minérios, e consequentemente a poluição. A pandemia veio demonstrar que podemos ter um estilo de vida mais local e frugal do que estávamos habituados, e que isso tem como consequência imediata menos poluição, ar mais puro, menor consumo de recursos. Temos de reinventar o nosso estilo de vida: o cuidado do Ambiente e a parcimónia no dia-a-dia são possíveis, e absolutamente necessários para convergirmos para um modelo de desenvolvimento mais sustentável. Não se trata de passar privações, mas de aprender a ser felizes como somos e não pelos luxos que temos.

3. Precisamos de estruturas de apoio social e de serviços públicos mais capazes e resilientes. Além da mortalidade, de longe o efeito mais grave da pandemia é a disrupção social, especialmente a que decorre do desemprego maciço. Como sempre em épocas de crise, quem mais sofre são os mais pobres. O serviço nacional de saúde felizmente não colapsou, mas está muito sobrecarregado. Os transportes públicos mostram-se insuficientes nesta fase de desconfinamento — quando deviam ser considerados um serviço público essencial (como a água, a energia, a saúde, a polícia ou os bombeiros). Os sistemas de apoio social tiveram de se reinventar, apoiados em larga medida nas organizações da sociedade civil, e pondo a nú as fragilidades institucionais — com destaque para as insuficiências graves da segurança social, em especial em situações de emprego precário ou ilegal. Vimos em abundância algo que já sabíamos, mas andava esquecido: a solidariedade na comunidade é a mais importante ferramenta em época de crise.

4. Aprendemos a tele-trabalhar, a simplificar a burocracia, a optimizar a logística. Literalmente de um dia para o outro, imensa papelada (já largamente inútil) perdeu importância a favor dos processos digitais. Muitas organizações perceberam que o tele-trabalho, não resolvendo tudo, funciona perfeitamente para muitas tarefas, e para algumas até é melhor que o modo presencial. Muitos, se não a maioria, dos restaurantes do País converteram-se em take-away. Os esquemas de entrega de todo o tipo de produtos ao domicílio multiplicaram-se — um método bem mais eficiente em tempo, custos, gastos de energia e poluição, do que cada cliente se deslocar de carro à loja.

5. Aprendemos como nunca o valor do contacto humano e dos espaços naturais. A corrida às praias é um sintoma da nossa sede tanto  de csocialização como de Natureza. O ecoturismo está a crescer. Temos de reaprender a viver em sociedade, em moldes que não permitam o descontrolo da pandemia — até porque vamos certamente precisar dessas boas práticas no futuro. Com o desrespeito reinante para com a Natureza, é provável que venha a haver mais pandemias desastrosas, se não cortarmos urgentemente com estas práticas destrutivas a nível mundial.

6. Ainda não aprendemos como gastar dinheiro. O dobro dos estádios necessários, infindáveis auto-estradas sem carros, um programa de barragens desnecessário e danoso, consumismo desregrado, crédito pessoal irresponsável: temos de ganhar juízo, a usar tanto os dinheiros públicos como os privados. Estamos numa crise económica profunda, e os fundos prometidos pela UE de pouco servirão se forem mal gastos.

Somos todos parte do problema e da solução, na pandemia como em matéria de Ambiente. Aprendemos muito com esta crise, não desperdicemos estes ensinamentos!