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Opinião de Carlos Pimenta, Antigo Secretário de Estado do Ambiente

É preciso agir e já: o consumo da população residente em Portugal exige os recursos de mais de duas Terras
Mudar de vida, significa que o bife e a generalidade da carne têm de ficar para ocasiões especiais. O uso de transporte coletivo, partilhado e não poluente tem de passar a ser a norma.
Pelo nosso Futuro, Mudar de Vida

É bom viver em Cascais. Falando apenas do Ambiente, é justo reconhecer que, beneficiando do mar e da serra, a interação entre o “verde” e o “construído” é não só uma realidade, como tem melhorado significativamente. Os serviços normais do saneamento básico e de limpeza urbana funcionam. A atenção às questões da poluição e das alterações climáticas está presente no discurso e na prática. E os cidadãos são parte deste processo, interessando-se e expressando-se, por exemplo, no Orçamento Participativo.

Mas, quando tudo parecia controlado, eis que um conjunto de roturas planetárias sistémicas está em risco de transformar esta região tão bonita e aprazível, ferindo-a, desfigurando-a, empobrecendo-a.

Temos dificuldade em imaginar cenários que saiam dramaticamente do nosso quadro mental e da esperança legítima de que o futuro seja melhor. A melhoria do nosso ambiente de proximidade e a limpeza de ruas e jardins são desenvolvimentos muito positivos, mas adormecem-nos para a crise ambiental iminente: o clima está a mudar por ação humana, a biodiversidade está a diminuir rapidamente, os oceanos estão a aquecer e a ficar mais ácidos, os plásticos e outros contaminantes entraram na cadeia alimentar, e a intensidade e a frequência de situações extremas vão testar a resiliência de edifícios e infraestruturas e a capacidade da Proteção Civil.

Podemos fazer algo? Ou o melhor é vivermos o dia, carpe diem, como escrevia o poeta romano Horácio? A resposta é sim, podemos.

É preciso agir e já: o consumo da população residente em Portugal exige os recursos de mais de duas Terras (de facto, 2,3 Terras). Como só temos uma, desde o dia 4 de Junho que estamos a viver a crédito sobre o Planeta que vamos deixar aos nossos filhos.

A fatura está a chegar e vai chegar com juros. É por isso que só existe uma atitude responsável e eticamente aceitável: mudar de vida.

Vale a pena olhar para um trabalho promovido pela Associação de defesa do ambiente -  Zero e pela Universidade de Aveiro, sobre as atividades de consumo que mais influenciam a Pegada Ecológica dos Municípios: “As 12 categorias associadas ao consumo das famílias representam a maior fatia, sendo, de forma agregada, a componente que mais influencia a Pegada Ecológica per capita. O consumo de produtos alimentares é a atividade de consumo que mais se destaca, sendo responsável pela maior componente da Pegada Ecológica, seguido do consumo no setor dos transportes.

Entre os países do Mediterrâneo, um estudo da GFN demonstra que Portugal é o país com maior Pegada per capita da Alimentação.

No período de 2011 a 2016, a Pegada Ecológica dos municípios teve uma tendência decrescente de 2011 a 2014, ano em que voltou a subir os seus valores, refletindo a tendência de recuperação da crise económica a partir de 2014”.

MENOS BIFE, MAIS TRANSPORTE COLETIVO, MAIS EFICIÊNCIA DOS RECURSOS

Mudar de vida, significa que o bife e a generalidade da carne têm de ficar para ocasiões especiais. O uso de transporte coletivo, partilhado ou não poluente tem de passar a ser a norma. A energia, água e outros recursos devem ser usados com eficiência e parcimónia, privilegiando as fontes renováveis. E  os resíduos que produzimos têm de ser minimizados e reciclados.

Só assim retardaremos e diminuiremos a rotura do “nosso” ambiente, que sempre demos por adquirido. Só assim seremos solidários com as centenas de milhões de seres humanos que hoje quase não usam os recursos do Planeta, por falta de meios e de acesso à educação e à saúde.

Mesmo se a nossa responsabilidade individual é inalienável, há, contudo, um papel central que deve ser assumido pelas Autarquias.

Prevenir a catástrofe, como foi feito nos recentes eventos da tempestade Leslie ou quando do fogo que correu da Peninha ao Guincho sem queimar uma casa, foram atuações brilhantes, mas que podem não ser suficientes no futuro face à fúria crescente de uma Natureza em mutação acelerada.

Mas para além das ações inerentes a um planeamento exigente que busque a resiliência do Território e que promova os princípios da Economia Circular, é necessário comunicar e motivar os cidadãos, tanto os residentes e como os de passagem.

Mais informação apresentada de forma criativa, mais espaços de participação replicando o sucesso das Hortas de Cascais, uma política “ecologicamente agressiva” de compras públicas para o Munícipio, as suas empresas e escolas, e normas mais apertadas no uso dos recursos e na reciclagem de resíduos, são alguns dos exemplos de políticas que são já praticadas mas que podem ser reinventadas, melhoradas e reforçadas.